livros
Os Malaquias
Romance – Editora Língua Geral, maio de 2010.
Capítulo 1
Serra Morena é íngreme, úmida e fértil.
Aos pés dela vivem os Malaquias, janela com tamanho de porta, porta com autoridade de madeira escura.
— Corre, Adolfo!
Donana pedia ajuda ao marido, ele cravou o machado na lenha e foi acudir. A bacia brilhava no fundo da cisterna, Adolfo desceu a corda com o balde amarrado na ponta, o encaixou na bacia e foi arrastando-a de volta pela parede. A mulher não fazia mais o pesado, com osso quebradiço, passou a benzer espinha de criança e com reza ganhava fubá, café e leite. Branca rosada, lábio fino. Tirando os Malaquias, os habitantes eram pardos como mamíferos silvestres. As crianças fizeram um círculo em torno do poço, o lençol freático refletia três pares de mãos, cada par moldurando dois brilhos e um nariz: Nico tinha olho azul, nove anos. Antônio, miúdo, seis. Júlia, barriguda, quatro.
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Orelha:
Se um nome define aqueles que o carregam, então Malaquias é nome de gente viva. No intrincado novelo de histórias que constituiu o romance de Andréa del Fuego, cada personagem é uma pessoa. A vida é-lhes soprada por aquilo que é matéria da literatura: a linguagem, os nomes. Aqui, as palavras têm cheiro e sabor, podem ser sentidas com a ponta dos dedos, possuem temperatura. As páginas que acompanham os Malaquias, que os fazem nascer, viver e morrer diante de nós, são feitas de assuntos infinitos – terra, céu – são feitas de distância e de aqui. Aqui mesmo, o teu rosto, o meu rosto, nós.
“Vida” é uma palavra grande, constituída por palavras grandes, nestes capítulos, nestes anos, Andréa del Fuego não teme nenhuma delas, mistura-as com a natureza: natureza humana e natureza-natureza. Por essa via, as personagens vivem, o mundo destas páginas vive e nós, leitores de milagres, vivemos também. Somos parte dessa mesma natureza, existimos nesse mesmo tempo de gerações, de bênçãos ou maldições eternas, esse tempo como um raio que fulmina ou como água que afoga, também nós somos donos de uma memória, que é do tamanho da Fazenda Rio Claro, pelo menos.
Vale a pena ler Os Malaquias para sabermos de nós próprios. Um dia, depois de tudo, se estivermos à altura da vida, cada uma das nossas histórias fará parte de uma vertigem como a que é descrita nestas páginas. Então, talvez possa haver leitores a se emocionarem, a se sobressaltarem, a se deslumbrarem, como acontece ao longo desta obra magistral de Andréa del Fuego.
José Luís Peixoto
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Pode ser encontrado aqui.
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Nego fogo
Contos – Editora Dulcinéia Catadora, março de 2009.
Edição artesanal, sem ISBN.
Conto
Desconfiei do cigano, cartas na mesa por vinte reais. Tirei uma. Apareceu uma rainha, senhora morena, invertida. A coroa pra baixo, pés aflitos pra cima. Significa nada, afoguei a carta num copo com água, o vestido molhou, ela perdeu os sapatos. O cigano me proibiu de tocar no baralho, puído, gasto nas quinas, as linhas da mão desbotando o arcano. A rainha morta, ele sem a carta do juízo. Por mais vinte, eu teria direito ao segredo sem avariar o tarô. Tirei outra. Copas, um seis. O que me espanta não é te amar tanto, o assustador é que você sabe.
Pode ser encontrado aqui.
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Engano seu
Contos – Editora O Nome da Rosa, maio de 2007.
Projeto contemplado com a Bolsa de Incentivo à Criação Literária da Secretaria do Estado de São Paulo.
Conto
Fada é um inseto. Aparece aos sábados e dorme sobre fios de eletricidade. Espargir veneno pra tirá-la da casa qualquer chinês faz. Quero ver pedir a ela que leve suas amigas, em fila indiana, pela porta. Ficar aqui, costurando saia pra fada vagabunda é coisa que fiz, mas não faço mais. A fada tem perna peluda, por isso a saia é comprida. Torneada e fina, a formiga inveja asas transparentes e sem barbatanas. O fêmur é serrilhado como o das baratas, o vestido longo cobre a alergia. Toda empolada, o inseticida funciona pelas manhãs, seu pulmão aberto, as narinas dilatadas. Elas fazem ninho embaixo de você, não em cima.
Pode ser encontradoaqui.
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Nego tudo
Contos – Editora Fina Flor, dezembro de 2005.
Ilustração de Erica Valente.
Edição confidencial de 107 exemplares, sem ISBN.
O mutirão, cada exemplar bordado a mão:
Conto
Pra você que amou, amou até o fim; não essa coisa que se esquece com outro, falo de amor pra foder tudo, veneno em óleo fervente. Pra você que tem quelóides de fogo, marca sagrada e estúpida. Pra você que amou assim, eu continuo sem piedade nos rins. Filtro um terço do rio, o resto tomba pelo meio das costas, cai na bacia, represo. Vou pra casa do caralho, onde o pau sou eu, alargando a carótida com lança de bronze. Bronzeada. Na beira. No fim.
Esgotado.
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Minto enquanto posso
Contos – Editora O Nome da Rosa, maio de 2004.
Conto
Orelhão
A mulherzinha pegou meu marido e não houve jeito, perdi o homem que me cuidou por anos. Agora veja se não tenho razão. Você não lhe meteria a mão na cara se o visse de conversinha com uma lá toda assanhada? Claro que meteria a mão, nem precisa responder. Não fiz isso. Bati nada. Peguei o menorzinho e fui ver minha irmã internada na Santa Casa. Essa tem carne ruim pra sarar, operou de pedras e nada de cicatrizar a cirurgia. Sim, está tomando a medicação, mas e a cara dela? Toda torta, parece que a anestesia deu problema. Olha, vou te dizer, se não é o Adão me arrumar outra mulher, eu ficava só por conta da Odete. Ia cuidar dela todos os dias no hospital. Mas com essa tenho que ir na Dona Cida toda a noite fazer o banho de erva. Ela prometeu que no nono dia ele larga da miserável. Tenho falta dele dentro de casa não, tenho falta dele fora. Gostava de ter saudade. Homem dentro de casa dá trabalho, ocupa o lugar das crianças. Passa lá em casa mais tarde. Já te devolvo o alicate de unha e o negócio de inalação do menino. Hoje ainda faço mais uma nele antes de você levar. Sabe se com arruda ajuda abrir os brônquios? Deve ajudar, se abre os caminhos da gente por que não vai abrir o pulmão do menino?
Pode ser encontrado aqui.
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juvenis
Quase caio
Crônica – Editora Escala Educacional, agosto de 2008.
Ilustração de Fernando de Almeida.
Trecho
Rato
Agora essa. Apareceu um rato em casa, atrás do fogão. André saiu atrás, o rato se enfiou na sala e sumiu. Rato é corda de navio pestilento, Idade Média, algo que me espia sem que eu veja. Corri comprar produtos de limpeza profunda, limpar minha alma da peste negra, ver se a assepsia expulsaria o roedor. Depois do jantar, enfiei minha cara na fruteira e eis que a pera nos revela: a polpa roída por dentinhos, ele comeu nossa fruta. André acha que não é um rato, mas uma rata grávida procurando alimento, tentando fazer ninho, mas onde? Atrás do meu fogão? O fogão não é dela e esse ninho é meu, ela vai ter que entender isso.
Pode ser encontrado aqui.
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Sociedade da Caveira de Cristal
Editora Scipione, junho de 2008.
Ilustração de Rogério Coelho.
Livro selecionado para o PNBE 2009.
Trecho
Começa que tenho treze, idade adulta não reconhecida. Sou magricela, o que não difere do gordinho quando se quer agradar. Enquanto o gordinho é a aspirina de baleia, eu sou o bigode do piolho. Quem apelida a gente são os gordinhos, é botar e ficar. Bigode é o apelido de outro magrelo que estuda na minha sala, é todo falante, se ferrou. Por sorte, a timidez protege minha dignidade. As meninas nos abandonam, nós, que não somos um lindo Rodolfo. As feias são mais cruéis, nem pelas notas altas elas se interessam — isso elas também sabem fazer, tirar mais de oito. De que adianta? Minhas notas são medianas como a de um Rodolfo qualquer. Não é preguiça de estudar, é preguiça de estudar o que mandam. Tenho espinha, uso óculos e, se precisar, corro.
Pode ser encontrado aqui.
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infantil
irmãs de pelúcia
Editora Scipione, março de 2010.
Ilustração de Jean-Claude Alphen.
Trecho
As pelúcias eram da raça preferida dos antigos nobres escoceses. Moravam nas cozinhas dos castelos, pois caçavam ratos, não latiam e se faziam passar por dois bebês dóceis: pequenos, peludinhos e olhar terno. Com quinze centímetros de altura, ninguém se lembrava do instinto predador e territorialista desses animais. As duas qualidades, discrição e serviço benfeito, deram à raça um porte palaciano e diplomático. Carlota Joaquina se foi com muita dignidade, despediu‑se das filhas e deitou‑se para o sono eterno debaixo de um abacateiro. Sapoti e Jabuti tornaram ‑se os animais mais paparicados do sítio. Quem chegava prestava honras às pelúcias, que recebiam as visitas com altivez, apesar do nanismo.
Pode ser encontrado aqui.
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livro digital
o implicante
Conto baseado na trilha sonora do filme Blade Runner.
Mojo Books, julho de 2007.
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antologias
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geração zero zero: fricções em rede
Editora Língua Geral, organização de Nelson de Oliveira, 2011.
Pode ser encontrado aqui.
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histórias femininas
Editora Scipione, organização de Adilson Miguel e Bruna Beber, 2011.
Pode ser encontrado aqui.
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escritores escritos
Editora Flaneur, organização de Victoria Saramago, 2010.
Pode ser encontrado aqui.
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galeria do sobrenatural
Terracota Editora, organização de Silvio Alexandre, 2009.
Pode ser encontrado aqui.
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90-00 Cuentos brasileños contemporáneos
Ediciones Copé, selo editorial da Petroperu – Organização de Maria Alzira Brum Lemos e Nelson de Oliveira, tradução de Alan Mills e José Luis Sansáns, 2009, Peru.
Pode ser encontrado aqui.
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Futuro presente
Editora Record – Organização de Nelson de Oliveira, 2009.
Pode ser encontrado aqui.
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Um rio de contos – antologia luso-brasileira
Editorial Tágide – Organização de Celina Veiga de Oliveira e Victor Oliveira Mateus, 2009, Portugal.
Pode ser encontrado pelo email editorial.tagide@gmail.com.
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O livro vermelho dos vampiros
Editora Devir – Organização de Luiz Roberto Guedes, 2009.
Pode ser encontrado aqui.
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Blablablogue
Editora Terracota – Organização de Nelson de Oliveira, 2009.
Pode ser encontrado aqui.
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O Pequeno Príncipe me disse
Editora Luk – Organização de Sheila Dryzun, 2009.
Pode ser encontrado aqui.
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Pitanga – 52 micro-contos
Pitanga – Organização de Luísa Coelho, 2008, Portugal.
Pode ser encontrado aqui.
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Capitu mandou flores
Editora Geração Editorial – Organização de Rinaldo de Fernandes, 2008.
Pode ser encontrado aqui.
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Contos de algibeira
Editora Casa verde – Organização de Lais Chaffe, 2007.
Pode ser encontrado aqui.
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35 segredos para chegar a lugar nenhum
Editora Bettrand Brasil – Organização de Ivana Arruda Leite, 2007.
Pode ser encontrado aqui.
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69/2 contos eróticos
Editora Leitura – Organização de Ronald Claver, 2006.
Pode ser encontrado aqui.
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Doze
Editora Demônio Negro – Organização de Vanderley Mendonça, 2006.
Esgotado, mais informações aqui.
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+ 30 Mulheres que Estão Fazendo a Nova Literatura Brasileira
Editora Record – Organização de Luiz Ruffato, 2005.
Pode ser encontrado aqui.
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Fábulas da Mercearia – uma antologia bêbada
Editora Ciência do Acidente – Organização de Joca Reiners Terron, 2004, esgotado.
Segunda edição pela editora Dulcinéia Catadora, 2008, aqui.
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Os cem menores contos brasileiros do século
Editora Ateliê Editorial – Organização de Marcelino Freire, 2004.
Pode ser encontrado aqui.
…mas você dá um show bombástico!
Parabéns, querida, por seu talento, sua expressão e sua cabeça cheia de idéias maravilhosas!
Um beijO
Olá tudo bem (: é uma honra está conversando contigo , assim eu moro em palmeira das missões interior do rio grande do sul , eu gostaria muito que você viesse fazer uma palestra na minha cidade ,se puder me adiciona no msn :palmeira-mateus@hotmail.com ou entre em contato no telefone :55-37422034 muito obrigado espero o retorno .
Mateus, eu adoraria ir atá sua cidade! Deixarei meu email contigo para falarmos a respeito: delfuego@uol.com.br. Um beijo!
Fico feliz porque recebeu o prémio Saramago e o merece! Excelente escritora.
Abraço atlântico.
Ana, obrigada enorme. Um abraço atlântico pra ti também :)
Adorei sua escrita!
Obrigada, Juliano!
Vi um programa de televisão em Portugal, a falar sobre si e a sua obra,despertou-me atenção pois gosto de todo o universo literário Brasileiro.O mundo lusófono em concreto tem muito a aprender com a grande sensibilidade e profundidade da escrita Brasileira. As mensagens de amor ão outro,dos afetos e do despertar do interior e da espiritualidade são muito pertinentes e actuais. Fiquei com uma enorme curiosidade em ler OS MALAQUIAS. Pretendia, também iniciar-me na escrita de memórias e pensamentos filosóficos.Que Conselhos e dicas me poderá fornecer
Gostaria de ler Os malaquias, acho o titulo muito sugestivo.
Oi, Andrea. Adoro-te. Passei por aqui, então… deixo uma pegada!
Beijo.
Oi Andrea
Queria te mandar um CD de presente, com alguns livros virtu@is que escrevi, para vc dar uma olhada
Para onde q deveria envia-lo?
Me fale…
Walderez Filho – Facebook
pagina 228. Onde estou em Os Malaquias.