coração por inteiro
(crônica publicada na Revista do Brasil, maio de 2011)
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Lorena nasceu e foi direto para a UTI, preparar-se para a primeira correção. Frequentei a sala de espera do hospital por quase um mês, olhando-a pelo vidro, enquanto meu irmão e minha cunhada ficavam lá dentro. Observei outros pais de UTI, casais que passam semanas ou meses aguardando o tempo próprio da recuperação. Tudo isso envolve tristeza, e não tenho como provar o quanto isso tudo também é seu oposto, um grau da alegria. Mas como? Por uma simples razão: o corpo tem defesas que a emoção desconhece. O corpo traz a sensação do sentimento, é a expressão dele, as mães choram sem teatro. Um choro pequeno que o cotidiano trata de torná-lo simples, uma manifestação necessária.
Neste momento, Lorena está em casa, já dormiu sobre a barriga dos pais, e presenciei minha mãe tornar-se avó na primeira vez em que ninou a neta. Não há vertigem mais radical que essa, as histórias dos corpos com seus códigos genéticos e amorosos se aflorando na ausência, nesse caso, de um pedacinho do coração da Lorena que só não está manifesto, mas já está refeito em nosso colo. Um coração aristotélico que, se não está em ato, está em potência.
Os pais de UTI recolocam os problemas rotineiros em seus lugares reais, a saber, na área de serviço, e não mais na sala de estar. Não se trata de camuflar uma questão menor pela maior, é uma assepsia do pavilhão emocional. A UTI não é terapia de amadurecimento, evidente, embora isso aconteça. A minha descoberta é que a UTI não é o lugar de quem está em vias de perder a normalidade dos dias nem sinal de fracasso ou perturbação da realidade – ela é passagem e, como tal, transitória e fluida. O que mais me impressionou nas mães é que elas suspendem o tempo habitual, o dos relógios, para entrar no tempo da recuperação, no tempo da vida, das profundezas celulares, no mistério maior.
Nesse ambiente é oferecida ajuda psicológica, que nem sempre socorre, embora seja fundamental. Em alguns casos, tratam as mães como doentes emocionais, dão nome à coisa ainda disforme, sentimentos fortes prontos para receber significados mais leves, e não técnicos. Mas mãe também é mãe de si e se protege. No que uma psicóloga se aproximou da minha cunhada, dizendo fazer parte de um núcleo de pesquisa do luto – só a apresentação dá calafrio –, ela logo se defendeu: “Não quero, obrigada”. Talvez a tia aqui também precise de psicólogo. Por enquanto, o amor tem feito seu trabalho.
Andréa,
Uma Ótima Crônica! Puro Sentimento.
Desejo, do fundo de minha Alma, a Breve Recuperação do Coraçãozinho de Lorena. Tão Pequeno e Já Soube Tocar os Corações de Gente Crescida!
Muita Força, Muita Luz e Um Beijo, Jorge X
Oi, Xerxes! Essa foi derramada mesmo, confissão pura. Obrigada pelos desejos de recuperação. Muita luz pra ti :) Beijos!
Coração feito com tanto amor.
UTI me fez sofrer muito. Não vou nem falar disso aqui agora. Lorena não merece.
Para ela, a uti é apenas preparação para a vida.
beijos, tia Andrea.
Martha, UTI não é brincadeira. Seguimos com amor. Beijos!
Tenho uma amiga, bem mais nova que eu, que nasceu com uma cardiopatia. Acompanhei o desenvolvimento dela, as cirurgias, a recuperação e a preocupaçao dos pais. Hoje ela é uma mulher forte, corajosa, estuda, trabalha… Lorena já tem e vai ter uma vida mto linda!
Fiquei emocionada com o texto…
beijos
Meu amor, tenho certeza de que a Lorena será como sua amiga, CERTEZA! Obrigada :)
Menina
Fases de amadurecimento (mesmo com dor) são nossos edifícios para a vida. Vai dar tudo certo com a pequena e fofa Lorena. Paciência, fé e paz.
Beijos,
;o)
Gracias, querida! Você está certíssima. Beijos!
Que lindo seu texto, menina, como vc escreve bem…
Jean!!!! Gracias! Depois do sítio santa seiva, peguei amor em qualquer matinho :)
“o jardim não precisava dos meus lírios. Estava vivo. Com plantas enraizadas, árvores e rosas de todas as cores. Não é esse o charme de ganhar um buquê? Levar para dentro de casa um pouco da vida e da natureza que há lá fora? Colocar um vaso no jardim, para mim, era como levar sanduíches a uma festa.”
Andréia, seu texto lembrou muito o conto “Trepadeira”, do meu Pornofantasma. Inclusive as taturanas… Mas preciso confessar que o único bicho de que tenho pavor é taturana – adoro cobra, adoro aranha, mas tenho pavor de taturana. Para mim as borboletas não justificam. Beijos.
Santiago, que trecho lindo! Doida pra ler teu livro de contos, dizem que é um de seus melhores livros. Vou começar pelo “Trepadeira”. As taturanas não me causam asco como cobras e aranhas, se bem que as taturanas peludas podem queimar a pele. Uma minhoca del fuego :) Beijo, beijo, beijo!
Taqueparéu. Por que eu fico tanto tempo sem vir aqui, hein?
Saudade docê? Café, cerveja, pizza de atum, qualquer coisa pra te dar um abraço… me fala onde e quando que eu vou.
Beijo.
Querido, nossa saudade virou doença crônica.
Crônica transbordando medos, amores e sentimentos, mexeu comigo. Torço para que Lorena sare logo e seja uma criança travessa e feliz. Ah, esta semana começo a ler teus textos no Geração Zero Zero, logo comento. Beijão, flor.
Querida, a Lorena segue forte, a vida é impressionante. Um beijo imenso.
Andrea, que bom que cheguei até aqui… seu espaço é bom de mais da conta. Seu texto é impecável, energiza e dialoga com que lê. Abraços, Adriana.
Que delícia, Adriana! Obrigada e seja benvinda :)
Há tempos não lia algo tão doce.
:)
Lindo texto, Andrea! Tecido com força e delicadeza, imitando a própria vida. Forças para você e parabéns pelo prêmio José Saramgo.
Um abraço literário
Gracias, Maria Helena! O Prêmio foi uma surpresa enorme, uma maravilha feito o jardim, que agora vou cultivar. Super beijo!
Prezada Andrea, gosto e gosto muito do que você escreve. Descobri seu blog, como sempre, procurando outras coisas (e essa instância de encontrar aquilo que faz a gente esquecer o que procurava é um lance meio de dádiva); de todo modo,queria mesmo te parabenizar. Estou ansioso por ler Os Malaquias.
Abraço,
Ivan Fornerón
Oi, Ivan! Benvindo :) Obrigada pelo contato e que Os Malaquias seja uma leitura digna de sua ansiedade. Beijo grande.
LIvan, acabei de ir ao seu flickr, aquelas obras são suas? O que é aquilo? Que beleza! Virei fã. Obrigada pela visita :) Um super beijo!
Andrea! Agradeço pelo elogio, e principalmente pelo seu olhar que é grande e generoso. São obras minhas, sim; é uma mistura de pintura e desenho. Lá no flickr elas estão mutiladas porque só dá pra escanear pedaços e não tenho fotos da obra na íntegra. São trabalhos que não sei dizer…é também uma tentativa de desenhar retratos e sensações sem rosto. Enfim…
Gosto muito da coincidência de ser seu fã também! Grande beijo!
Ivan
Li este texto no “Relevo”, não conhecia as motivações pessoais, as quais acabo de conhecer aqui no espaço de comentários. Tinha refletido sobre o lance do escritor com a escrita.
Andréa, quero te ver na feira do livro de Frankfurt! Você vai estar lá no dia 13?
Sim, estarei lá dia 13, às 12h e depois às 17h :)
Já cacei borboletas e deletei da vida muitos pés de maracujá, que teimaram em renascer em meu quintal. Quantas varandas fantasticamente formaram, mas então as lagartas…