Outro dia um preso francês matou o companheiro de cela, abriu seu corpo, tirou o pulmão, cortou em cubos e fez acebolado num fogão portátil. Comeu, evidentemente. Entre nós, o caso Bruno dispensa apresentações. Em São Paulo, assaltantes dão tiro nas vítimas para que o policial tenha de socorrê-las e não possa ir atrás do capeta. Nessa trama, fica difícil a atriz Lindsay Lohan chocar o leitor com uma breve estada no xadrez porque dirigia bêbada e nem dá tempo para comemorar a surra que a amante de Sorocaba levou da melhor amiga. O problema do escândalo, notícia inclusa, é que ele é um texto seguido de foto. Batata frita acompanha. Encândalo só revolta, enfurece, move a alma durante a transmissão da notícia. Nossa sensibilidade está embotada, mas não só porque escândalos são muitos e se autoanulam pela abundância. Os olhos ficaram saturados pela apresentação da notícia em capítulos, ao vivo. Os escândalos parecem iguais aos próximos que virão porque a linguagem da TV nos afasta do drama real. Mais: quando o escândalo é seu, caso ele não seja reportado e distribuído em rede, o luto não começa, a vergonha não aflora, as desculpas nãos podem ser pedidas. Isso é um texto, epitáfio é um texto, bula é um texto, julgamento é um texto e sua vida só vale se for um texto. O fato está ameaçado pela palavra. Escândalo para valer é indizível e privado, ferindo a nuca ou o pulso – onde doer mais.
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Texto publicado na edição de setembro da Gloss, uma coluna no final da revista onde a cada mês um colaborador diferente é convidado. Edição do Ademir Corrêa.
Perfeito! Simples assim. =)
:)
Estou ferida. Um primo querido assassinado ontem dentro de sua casa.
Não será escândalo, nem notícia caldalosa. Se juntará as estatísticas.
Querida, meus sentimentos. Talvez a dor privada fique mais protegida. Carinho.
Andrea,
muito bom texto.
O mundo atual permitiu a realização de um desejo inconsciente de todos: a transformação de si em personagem pelas redes sociais, e ver a história do mundo contada como dramaturgia pela imprensa e pelos factóides em geral. Lamentável que suas pessoas não percebam que a vida reside nas sensações, e não na história que se vive. “a vida não vale nada, se você não tiver uma boa história para contar”!?
Obrigada, Gustavo. Acho que estamos na infância das relações e ficções e, acredito, ainda aliaremos a experiência real com essa fumaça toda. Um beijo!
Acabei de ler seu “Os Malaquias”. Grata surpresa. Tô besta. Ler coisas assim, pra gente como eu, que ensaia dar os primeiros passos nessa seara, é uma faca de dois “legumes”. Ao mesmo tempo em que te dá a estocada no baço e diz “´vai lá, escreve que vale a pena”, também se insinua, insidiosa, querendo picotar tudo o que vc já escreveu… tsc tsc. Foi quase a mesma sensação que tive ao ler o “Outra vida”, do Rodrigo Lacerda. Surpresas da leitura despretensiosa. Não conhecia nem vc, nem seu texto. Vou ler o resto. Parabéns.
Poxa, Franklyn, tão bom ler isso, tão gratificante. Obrigada pela leitura e pelo comentário!! Beijos!
Ótimo texto, excelente reflexão, obrigada por nos brindar com seu pensamento arguto.
Diria: Apareço, logo existo. Se não viro imagens ou texto, nada sou. Longe dos olhos, longe do coração. Existência miserável ou confusão sensorial, eis nosso século.
Maria, gracias!
Peguei essa revita num salão e quando vejo a seção colaboradores, simplesmente pulo para a página final e me delicio…
adorei, simples e certeiro!
Que delícia, Ane :)
Uma amiga queria, certo dia, me liga para cobrar um empréstimo de dois livros, e faça cheia de alegria: Eeeeeeeeeei! Nem te conto! Eutou lendo aqui a revista Gloss, e adivinha o que encontro? Um texto da tua “amiga” André Del Fuego. Não foi ela que te mandou um livro autografado? Menino, adorei o texto.Tu ainda fala com ela?”
Haha!
E então me emprestou a Gloss, e pediu que eu entregasse a ela por uns dias “Minto enquanto posso”.
Coisas da vida!
Beijos, moça!
I love you!