Matéria que escrevi sobre ela, em 2007, na Rolling Stone:
Oba, lá vem a Céu
Ela cantava de costas para o público. Hoje, é grande novidade da música brasileira. Sem delírios, Céu joga com o tempo a seu favor.

O que Céu faz é música popular brasileira. Eletrônica é a mãe! “Quando falam que faço música brasileira com eletrônica, esse é um erro que não tem nada a ver com o que eu faço.” E você faz o quê? “Faço música brasileira contemporânea, com todas as influências que posso te citar: música jamaicana, afrobeat, samba, ciranda e outros ritmos tradicionais daqui.”
Maria do Céu tem 27 anos – eu daria 22. No entanto, há uma vovó naquele corpo. Primeiro porque ela não tem pressa, dá um foda-se para o relógio, como a vovó que sabe que o mundo a trouxe, a levará e nele fica o que vale a pena. Faz sopa, torta de frango e para fechar o painel, Céu teve os quatro dentes do siso, todos os juízos, antes dos 20 anos.
Céu, disco homônimo, é seu primeiro e ainda único trabalho. Abrindo o encarte, percebo e confirmo, as fotos são de sua casa: um pedaço da cama, pregador no varal, a chita da cortina. A moça é prosaica e resolvida. “Curto muito mais dar uma volta na feira do que ir a um evento megabadalado.” Desconfia do moderno. Seu gosto musical parece também apostar no que sobrevive ao tempo. “Baden Powell, Moacir Santos, Clementina de Jesus… Eu gosto sem muita explicação. É um ponto na música brasileira que me interessa. Não tem lógica.”
Tem lógica, sim. Céu vai antes à raiz e com base nela é que direciona as antenas à superfície do mundo. “Escuto muita coisa nova, gosto de fuçar timbres, instrumentos, sonoridade e ruído. Isso tem a ver com a música contemporânea.” É obsessiva, apaixona-se por uma voz e fica nela. Teve a fase Betty Carter, cantora americana de jazz-bebop, que atuou em clubes com Miles Davis e Thelonious Monk nos anos 50, ouvia especialmente o disco Ray Charles & Betty Carter, de 1961. Teve o momento Elis Regina no programa Ensaio, de 1973 (décadas depois, Céu faria o mesmo programa), e o estágio Clara Nunes. Pequenininha ouvia Sade, cujo timbre já foi comparado ao dela. “Pode até ser, tem uma referência, ela também traz essa coisa africana.” Agora é a vez de Betty Davis, diva negra e ex-mulher de Miles Davis.
É principalmente pelas raízes da cultura afro-brasileira que ela se sente atraída. Céu afirma ter tido ligação com a religião, embora hoje não a siga, apaixonou-se pelo candomblé por causa da música. Arriscaria dizer que Céu é protegida por orixás e sua música vem como oferenda. Se assim é, diria que Céu está sob a guarda de Oxum, mãe das águas e do que é belo, aquela que é menina, mulher e senhora no mesmo tempo.
Nossa entrevista começou e terminou dentro de uma van. Quando acaba um lado da fita, uso gravador tijolão, me desculpo por ser ainda analógica, ela sorri e começa a me chamar de “cara”. Gostei.
Sua timidez me lembrou um show de jazz que assisti na Argentina, cujo saxofonista esqueci o nome, mas não a performance: ele ia saindo do foco de luz, quase alcançando a coxia, mais um pouco saía do palco. Ela é dessa cepa, cuja intensidade maior acontece em lugar reservado, não compartilhado. Não compromete, não precisamos ver toda a baleia pra saber que a curva que emerge do mar é a própria. Com tanta introspecção, é claro que gosta de livros. Maria lia Machado de Assis e foi viciada em Clarice Lispector, característica de quem cultua um diário. E Céu tem um, evidente. Hoje está lendo A Erva do Diabo, do antropólogo e feiticeiro Carlos Castaneda, e a biografia Kind of Blue: A História da Obra-Prima de Miles Davis, de Ashley Kahn – sim, ela cerca o mestre por todos os lados.
Com essa fome, explica-se a veia autoral. “Cara, eu só tirava ‘E’ nas aulas de poesia, você vai pôr isso, com certeza: ‘Tirava E e foi escrever’.” Disse que não botaria, mentindo a ela pela primeira vez. Céu estudou no Equipe e na Faap, reduto de artistas e filhos de intelectuais da cidade de São Paulo. Qualquer poeta boêmio diria a ela que a nota ‘E’ pode não ser boa para a poesia, mas é ótima para o poeta. Na mosca, Céu é autora de duas faixas e co-autora de dez das 15 que totalizam o disco de estréia. Ora, se autoria vem de autoridade, ela se autoriza a interpretar o que já é seu antes de vir às cordas vocais. “Quando a melodia vem, já tô colocando minha maneira de intérprete.”
A matéria sobre Céu na íntegra está na edição 11 da RS (agosto/2007).
Boa sorte no novo espaço. Continuarei acompanhando.
Obrigada, Fernando. Valeu pela dica do wordpress, entendi o esquema rapidinho. Acabei de responder seu email (antigo), beijos!
Eba! A gente vem junto!
;o)
Querida!
Menina
Quero comentar o post posterior a este e não consigo (a janelinha não abre – será o frio?). Bem, sobre as diferentes sensações que podemos ter de uma mesma coisa… você não sabe como eu penso nisso!! Um filme, um livro, um lugar, uma pessoa (o que é pior)… acho que nada, nunca, jamais é visto da mesma forma quando há um espaço de tempo entre um contato e outro. Nossa leitura muda de forma tão surpreendente que muitas vezes somos capazes de jurar que nunca lemos aquilo antes. Não?
Beijos da Pinpolha!
Pinpolha, concordo total. A segunda mão de tinta apaga a primeira, a cada olhar, outra coisa. Também não deixa de ser angustiante. Beijos!
Moça Bonita,
desejo que esta nova casa abra mais a porta dessa redondeza de mundo… procê poder ver os amigos no quintal.
Que o Sagrado te acompanhe!
Meu carinho, sempre…
Meu carinho sempre pra ti, amigo! Tô me segurando, mas vou fazer, te mandando um arquivo por email. Beijooooooos!
Dé, cadê o seguidor ? Bota aí pra gente clicar..rs.. Beijo e boa casa nova!
Seguidor? Acho que sei o que é, providenciando. Beijocas!
Andrea, sendo de bom alvitre oferenda à nova casa,pensei num Bachellard para o alpendre: “O espaço habitado transcente o espaço geométrico”.O que me ficou da Roda de Leitura passada no Sesc-Campinas foi o “olhar pelas frestas”, quer pela miudeza cortazariana ou pela vidência
do Borges.Resíduo: na sua trilogia- sujeito do enunciado/sujeito da enunciação. Encantado, coisa de fã, assujeitado. Você mente bem, mas é a sua cara.Beijos
Marco Antônio, bem vi que você não era um mortal, assim não vale, tremenda covardia! Que baita roda fizemos na quarta, adorei vocês e a química do grupo. O fantástico borbulhava pelas frestas. Obrigadíssima pela visita :) Beijos!!!!!